terça-feira, 1 de abril de 2014

Nativos querem ressuscitar a Farra do Boi

17 anos depois da proibição, ainda é forte a tradição no seio das primeiras comunidades açorianas de Santa Catarina 
Foto aérea da Farra de Boi no Pontal Norte da Praia de Tijucas, em 1968

A Farra do Boi é uma festa de origem cultural. É muito popular em Santa Catarina e, segundo historiadores, foi trazida ao Brasil há cerca de 250 anos, por descendentes de açorianos. A tradição começou no arquipélago dos Açores há mais de 500 anos, época em que os navegantes portugueses que vinham para o Brasil deixavam animais nas Ilhas do arquipélago dos Açores, onde se reproduziam de maneira selvagem. Quando os navios passavam por ali, sempre pegavam alguns animais para abastecer as embarcações que vinham para a América. Entretanto, como os animais não eram domesticados, para a tripulação apreendê-los era uma verdadeira festa. E foi assim que essa cultura veio para o Brasil a partir de 1748, quando começaram a ser trazidas as primeiras levas de açorianos que se estabeleceram de Imbituba até São Francisco do Sul.
O fim da Farra de Boi

Animal machucado na Farra de Boi de Bombinhas na semana passada
Desde 1997 a Farra do Boi foi proibida em todo o Estado de Santa Catarina, após inúmeras denúncias e uma grande campanha de conscientização por partes dos ecologistas e da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês). O argumento dos participantes da festa foi o de que a Farra acontecia para manter a cultura e o folclore da região. 
A festa acontecia frequentemente na época da Páscoa, quando milhares de bois eram soltos durante toda a Quaresma. Fala-se em tortura, mas essa acusação é infundada quando é generalizada. Em Tijucas, por exemplo, desde os anos 60 a Farra de Boi era muito disciplinada e triste daquele que inventasse de machucar o animal. A farra era realmente do boi e quem se aventurasse a dar uma de toureiro o fazia por sua conta e risco.
Gente sem conhecimento de causa divulgou por aí que o suplício dos animais começava uma semana antes de serem soltos, quando o boi era isolado e deixava de ser alimentado. Que eram colocadas comida e água perto dele, de forma que pudesse ver, sem poder alcançar, ficando desesperado. Esses pseudo-sociólogos dizem ainda que no dia da Farra, o boi é solto pelas ruas, onde as pessoas aguardam, portando, com os mais variados instrumentos para ferir o boi, como por exemplo, pedaços de pau, pedras, chicotes, facas, cordas e lanças, além de outras formas utilizadas para ferir o animal, de forma que, somente ao perceber que o boi estava próximo de morrer, os farristas o matavam e dividiam a carne. A crueldade costuma acabar com um churrasco. 
Muita criatividade realmente para quem nunca viu uma Farra de Boi.
Justiça para o boi 
O Supremo Tribunal Federal estipulou multas diárias para o governo coibir a Farra de Boi. Consequentemente, o Estado que é carente de policiais espalha centenas de homens desde Barra Velha até Imbituba para evitar a passagem de bois nas cidades litorâneas, enquanto as famílias catarinenses ficam a mercê dos bandidos. Além dos policiais o governo ainda é forçado a pagar hora extra para técnicos e veterinários da Cidasc, que sacrificam todos os animais apreendidos e depois “inutilizam” a carne. Um verdadeiro contra senso.
Inconformados com a ação da Justiça, farristas de todo o litoral catarinense enfrentam a polícia e as leis para cultivar a tradição. Nesses primeiros dias de Quaresma foram registradas várias ocorrências na região da Costa Esmeralda e até do Vale do Rio Tijucas.
O centro de Bombinhas foi um dos palcos escolhidos pelos adeptos da brincadeira para agitar a cidade. Um boi nelore de 350 quilos foi solto e logo começou a pipocar telefonemas para a Polícia Militar e Cidasc, que em pouco tempo compareceram ao local e acabaram com a festa. O boi foi levado sabe-se lá para onde.
Semelhantes fatos foram registrados em Itapema e Porto Belo e em outras praias de Bombinhas. No Canto Grande um outro boi nelore foi capturado, com cerca de 300 quilos. No bairro Várzea, Itapema, o animal pesava meia tonelada e também foi sacrificado pela polícia e Cidasc. Em Governador Celso Ramos a polícia já perdeu a conta das denúncias sobre a soltura de animais, porém a maioria dos episódios o boi e os farristas simplesmente desaparecem nas praias. 
Independente do local e da apreensão de animais, o interessante é que a polícia até agora não prendeu ninguém. E é essa coincidência que está motivando muitos farristas a organizarem um abaixo assinado para ingressar com um projeto de lei regulamentando a brincadeira, nem que seja apenas para mangueirões. A maior dificuldade encontrada é o fato de que os ambientalistas estão espalhando a tese de que quem assinar o projeto de lei pode se complicar futuramente por “apologia aos maus tratos contra os animais”.

Jornal Razão